terça-feira, 9 de julho de 2013

Uma estréia quente... ou fria?

Resolvi tomar coragem (e vergonha na cara) e começar a escrever sobre paleontologia sem a obrigação de virar uma publicação em um periódico ou de cumprir algum prazo. No entanto, como ainda tenho prazos a cumprir, não consegui sentar para escrever um bom texto inicial (queria falar sobre o Baurusuchus já que ele dá nome ao blog, mas fica pra próxima). Separei então alguns textos que foram publicados em um coluna científica no site do Grupo Fossilis a muito tempo atrás, mas que agora não estão mais disponibilizados lá (apesar de eu autoriza-los a continuar usando os textos). Dei uma revisada e como na época nunca recebi nenhuma critica sobre eles acredito que estão satisfatórios. Mas claro, se o leitor encontrar erros por favor me aponte, eles serão devidamente corrigidos (e podem até mesmo levar a um texto novo). Do mais vou começar com um assunto que me foi questionado por um amigo recentemente, afinal, dinossauros tinham sangue-quente ou frio?



Quente ou Frio?




Assistir a filmes de ficção científica antigos nos dá uma boa noção do pensamento científico da época. Quando eu desfrutava de uma assinatura de TV a cabo pude assistir a um clássico do gênero, muito antigo. O filme contava a descoberta de um vale onde animais pré-históricos ainda habitavam e entre a ação do filme víamos pesados e gordos sauropodas se arrastando lenta e vagarosamente, com o ventre encostado no solo ou mergulhados em lagos só com pescoço para fora. Todos incrivelmente reptilianos, do Tiranosaurus rex (que lembrava um iguana bípede) até o Triceratops (claramente um lagarto atual no qual os produtores colaram um alguns chifres).
Essa visão de dinossauros lentos e pesados mostra a interpretação científica que vigorava até a algumas décadas: a de que dinossauros, assim como os outros “répteis”, eram ectotérmicos. Ou em uma linguagem bem pouco significativa tinham “sangue-frio”.
Livros de Fisiologia Animal trazem outra classificação para os diversos tipos de metabolismo. Schmidt-Nielsen em seu livro Fisiologia Animal (incrivelmente usado em aulas de biologia, se você não conhece fica aqui uma ótima recomendação para estudo) mostra um pouco da confusão e diversidade de termos empregados no estudo da temperatura dos organismos.
Atualmente fala-se em ectotermia e endotermia, sendo termoreguladoras, o organismo que regula sua temperatura corporal por si só, podendo se esquentar ou esfriar através do seu metabolismo; ou termoconformadoras, nesse caso o organismo eleva ou abaixa sua temperatura de acordo com o ambiente ao se redor, sendo seu metabolismo lento demais para dissipar ou produzir calor.
Os organismos endotérmicos são todos termoreguladores, por outro lado são relatados casos de ectotermia termoconformadora e termoreguladora, nesse caso alguns répteis podem elevar sua temperatura corporal por estimulo muscular, especialmente algumas cobras que necessitam chocar seus ovos.
Bakker (1986) em seu livro The Dinosaur Heresis foi um dos primeiros a mostrar os fatos que derrubariam os argumentos de que dinossauros eram répteis ectotérmicos termoconformadores. Obviamente, um animal tão grande quanto um Seismosaurus ou mesmo um caçador como a grande maioria dos Dromeosaurideos não conseguiria se manter ativo dependendo unicamente do calor do ambiente. Usando de alguns cálculos ele mostrou que saurópodos precisariam de dias com mais de 24 horas para aquecer todo seu corpo ao sol e no caso de resfriarem a noite não conseguiriam se defender de predadores noturnos.
Evidências demonstradas por pesquisadores (Russel, 1965; Ostrom, 1974 e Desmond, 1975) apontam outras características que demonstravam endotermia nos dinossauros. Entre elas a posição das pernas e a possibilidade de alcançar altas velocidades, a posição das narinas mais atrás em relação aos répteis, presença de sacos aéreos em Sauropodos e Theropodos, como no recém-descoberto Aerosteon riocolodarensis (Sereno et al, 2008) e também características osteológicas, como posição dos vasos sanguíneos nos ossos (sistema de Haversian, ou ósteon, em cujo interior ocorrem veias ou uma artéria e se conectam aos outros vasos sanguíneos), semelhante ao dos mamíferos e linhas de crescimento pouco evidentes, o que aponta para um crescimento continuo e não demarcado, como ocorre nos répteis.
Levando em consideração a eficiência do sistema respiratório das aves e a relação filogenética entre os grupos (dinossauros e aves) pode ser tentador afirmar que todos os dinossauros eram endotérmicos e possuíam pulmões avianos. Este tipo de pulmão é extremamente eficiente, requerendo menos energia por unidade de oxigênio consumida.  O problema de superaquecimento pode ter sido resolvido exalando-se ar quente saturado com vapor de água, aquecido com o calor de corpo, pulmões e sacos aéreos, conjugados com arrefecimento evaporacional ao longo do pescoço, durante a inspiração (Perry et al., 2008).
O problema parece resolvido certo?
Mas objeções a endotermia dinossauriana surgiram logo. Apesar dos répteis atuais apresentarem um sistema de Harvesyan ausente ou pouco desenvolvido, generalizar essa característica para uma condição endotérmica pode ser um equívoco. Alguns mamíferos e mesmo algumas aves mostram um sistema de Harvesyan muito pouco desenvolvido ou mesmo ausente (Bouvier, 1977), além de ocorrer em outros répteis e anfíbios. Além disso, o forte desenvolvimento do sistema de Harvesian, associado ao rápido crescimento, pode também  se resultado de um aumento do stress ósseo. Portanto, generalizar a característica não é uma boa resposta.
E quanto ao pulmão aviano? Ele parece ser uma boa solução, e ainda demonstra uma endotermia. Mas não ocorrem fósseis com presença de sacos aéreos em todos os dinossauros e eles podem estar ligados à redução de peso ao invés do metabolismo. É verdade que o Aerosteon riocoloradensis apresenta provas fortes de que a linhagem dos Theropodas apresentaria os pulmões avianos.
Seebacher (2003), no entanto, propõe a não generalização da característica para todos os dinossauros. Seu trabalho mostra que a temperatura média diminuía com a diminuição da massa e aumento da latitude. Portanto dinossauros de tamanho médio (4 a 5 toneladas) conseguiriam manter uma temperatura metabólica igual ou maior que 30º com pouquíssima variação ao longo do dia. Já os pequenos, com menos de 100 Kg, vivendo em latitudes acima de 45º, não poderiam apresentar altas temperaturas sem uma taxa de metabolismo alta, sendo portanto endotérmicos com algum tipo isolamento térmico (penas, talvez?). Por fim, os Sauropodos poderiam ser ectotérmicos estáveis, vivendo em paleolatitudes próximas a região do equador.
Eles conseguiriam manter sua temperatura através da homeotermia inercial. O ganho de peso desses animais ocorria de modo mais rápido que a perda de calor, por habitarem em paleoclimas quentes e estáveis, assim ao longo da vida eles ganhavam calor do ambiente e metabólico, mas demorariam para perde-lo, devido ao aumento da massa corporal, esse calor ganho e nunca perdido se acumularia mantendo as taxas metabólicas estáveis (Powell, 2003).
A resposta provavelmente reside no meio termo de Seebacher, ainda mais se considerarmos que animais pequenos possuem uma área corporal proporcionalmente maior que animais grandes e, portanto, perdem mais calor exigindo um elevado metabolismo (Schmidt-Nielsen, 2002). A diversidade gerada pela evolução provavelmente não encontrou um único caminho para resolver seus problemas. É preciso analisar cada caso em particular e então definirmos quais eram os dinossauros endotérmicos e ectotérmicos.

Referências Bibliográficas
BAKKER, R. 1986. The dinosaur heresis. Middlesex: Penguin Books. 481 p.

DESMOND, A. J. 1975. The hot-blooded dinosaur, a revolution in Palaentology, The Dial Press/James Wade, New York.

OSTROM, J. H. 1974. Reply to “Dinosaurs as reptiles”, Evolution, 28:491-493.

PERRY, S. F.; BREUER, T.; PAJOR, N.; SANDER, M.; 2008. The german sauropod scene and reconstruction of giants lungs. In: Paleontologia em Destaque: Boletim informative da Sociedade Brasileira de Paleontologia, ano 23, edição especial, 160p.

POWELL, J. E. 2003. Revision of South American Titanosaurids dinosaurs: palaeobiological, palaeobiogeographical and phylogenetic aspects. Records of Queen Victoria Museum, Lauceston, 111, 171 p.

RUSSEL, L. S. 1965.       Body  temperatures of dinosaurs and this relationships to their extinction, Journal of Paleontology, 39: 497-501.

SEEBACHER, F. 2003. Dinosaurs body temperature: the ocurrence of endothermy and ectothermy. Paleobiology, 29(1):105-122.

SERENO, P. C.; MARTINEZ, R. N.; WILSON, J. A.; VARRICCHIO, D. J.; ALCOBER, O. A.; LARSSON, H. C. 2008. Evidence for avian intrathoracic air sacs in a new predator dinosaur from Argentina. PLoS ONE, 3(9): 1-20.
 SCHMIDT-NIELSEN, K. 2002. Fisiologia animal. 5º edição. São Paulo. Santos Livraria Editora, 611 p.