De
uns tempos para cá temos presenciado diversas descobertas e identificações de
novas espécies paleontológicas de vertebrados em território brasileiro. É verdade
que vários fósseis de pterossauros e mamíferos já haviam sido encontrados, mas
nada como os achados atuais. Basta uma pequena consulta bibliográfica no
googles acadêmicos e ver as datas dos trabalhos. Somente isso torna valido para
afirmarmos, a década de 90 e começo do século XXI impulsionou a paleontologia
no Brasil. Citando alguns exemplos: Aelosaurus sp; Gondwanatitan
faustoi (Kellner & Azevedo, 1999); Adamantisaurus mezzalirai
(Santucci & Bertini, 2006) além de 24 espécies de crocodilomorfos* muitas
delas representando grupos endêmicos e indicando a variedade desses organismos.
De fato, o grupo apresenta uma grande ocorrência nas formações Adamantina e
Marília (Grupo Bauru, Bacia Bauru, Cretáceo Superior) dos estados de São Paulo,
Minas Gerais e sul do Mato Grosso (Bertini, 1993), bem como na Bacia de Sousa
do Estado da Paraíba (Bertini, 2000). Porém, mesmo os Crocodyliformes
representando boa parte do registro paleontológico do Cretáceo, os dinossauros
ainda roubam a cena.
É
um fato que os dinossauros são as estrelas pop da paleontologia, sucessos de filmes,
quadrinhos, venda de bonequinhos, eles conquistaram seu lugar no imaginário
humano, então perdoamos os leigos por resumirem o paleontólogo como “o homem
que estuda dinossauro” (parafraseando aquele molequinho do Jurassic Park 3,
Owen me perdoe).
Obviamente,
falar de paleontologia envolve falar de dinossauros, e para os leigos, isso
acaba sendo o único foco de nosso trabalho. Mas é valido desmitificar isso,
revelando outros animais que também compõem a paloefauna do Brasil, e se
podemos falar de dinossauros, também podemos falar de paleovertebrados no
geral.
Para
início, vamos situar os vertebrados, eles surgiram no Ordoviciano, com os
peixes sem mandíbula, há aproximadamente 488 m.a. a partir de um ancestral
protocordado. No Devoniano, os Sarcopterígeos, peixes de nadadeiras lobadas, compostas pelos mesmos ossos que formam os
membros de todos os vertebrados terrestres, deram origem aos tetrápodas
e, consecutivamente, os primeiros vertebrados terrestres anfíbios. Tetrápodos
correspondem a um grupo que abriga todos os vertebrados viventes com quatro
membros e dígitos distintos, bem como grupos fósseis e viventes cujos ancestrais
apresentam essas características.
Figura
1: Filogenia dos Sarcopterygii. Tetrapoda é o grupo que inclui todos os animais
com quatros membros distintos. Em (a) esquema de um fóssil de Coelacanthus, um
Sarcopteri gio do Triássico e em (b) Latimeria,
um celacanto atual. (Fonte: Benton, 2005).
Durante
o período seguinte, o Permiano, a fauna sofreria uma importante aquisição
adaptativa, dando origem ao grupo dos amniótas. Esse grupo originaria os
anapsidas, testudines, que são as tartarugas e outros quelônios, os diapsidas e
sinapsidas, classificados de acordo com o número de aberturas laterais do
crânio (Figura 2). O quarto tipo representado abaixo, Euryapsida, hoje em dia é
entendido como um crânio diapsido modificado. Os representantes desse grupo
incluem os “répteis” marinhos como plesiossauros e ictiossauros, normalmente confundidos
como dinossauros (Figura 2).
Figura
2: Simplificação dos 4 tipos básicos de crânios classificados de acordo com as
aberturas temporais: (a) Anapsida, sem aberturas temporais, (b) Sinapsida,
apenas uma abertura laterotemporal, (c) diapsida, duas aberturas temporais e
(d) Euryapsida., apenas uma abertura supratemporal. Legenda: P, parietal; Po,
Pós-orbital; Sq, Esquamosal; J, Jugal (Fonte: Benton, 2005).
Os
Diapsidas abrigam os Lepidosauria e Archosauromorpha, este último formado por Suchia
(crocodilianos) e dinossauros (incluindo aqui as aves) e Rhyncosauria. Também
são agrupados como Diapsidas os Ictiossauros, Plesiossauros e Pterossauros,
todos erroneamente confundidos com dinossauros (Figura 3)
Figura
3: Filogenia dos “Répteis” Mesozóicos. Testudines em B como único grupo
representante de Anapsidas (Fonte: Benton, 2005).
Os
sinapsidas por sua vez, abrigariam como um grupo parafilético os prováveis
ancestrais dos mamíferos atuais, incluindo principalmente os grupos Cynodontia
e Dicynodontia, muito encontrados nos registros do Triássico do Rio Grande do
Sul e que posteriormente originariam todas as ordens de mamíferos atuais
(Figura 4)
Figura
4 Posição de Sinapsida basal aos outros dois grupos. Posteriormente, a linhagem
Sinpasida daria origem ao ramo dos mamíferos (Fonte: Benton, 2005)
Ou
seja, a paleontologia de vertebrados fósseis, ou paleovertebrados, é algo
gigantesco, ainda engatinhando no Brasil. Para um iniciante, o ponto de partido
mais próximo pode não ser bem os famosos dinossauros, mas muitas vezes algo que
não chama tanto a atenção, mas que é tão importante quanto.
A
imprensa divulgou, com toda aquele deslumbramento que é dado a coisas que
entram na categoria “o maior de”, a descoberta de um dos maiores dinossauros
herbívoros do mundo, o Futalognkosaurus dukei (Calvo et al.,
2007), habitou a Terra durante o Cretáceo, há aproximadamente 80 m.a., e possuía
proporções significativas, 32 a 34 metros de comprimento (Figura 5). Apesar de
ter sido encontrado em território Argentino, era provável que o animal também
habitasse terras brasileiras. A despeito das proporções do animal, esse achado
possibilitou um acréscimo de informação ao Grupo Titanosauria, uma vez que Futalognkosaurus
dukei consiste de um novo gênero aponta para uma nova linhagem de
titanossauros, com um pescoço mais longo e forte que o restante do grupo (Calvo
et al., 2007). Juntamente com isso, o achado de outros fósseis de
terópodes e plantas na mesma localidade permitiu uma reconstrução confiável do
Cretáceo do local. A imprenssa também acompanhou passo a passo em 2012 e 2013 a
escavação uma das maiores descobertas dentro da Bacia Bauru onde um esqueleto
praticamente completo de um Titanosauridae foi encontrado, mas o animal
prossegue em trabalhos de descrição.
Figura
5: Futalognkosaurus dukei, os
ossos em branco foram os elementos recuperados do animal (Fonte: Calvo et al.,
2007).
Mas
em 2007 outro trabalho igualmente importante não recebeu tantas luzes da
imprensa, talvez por não tratar de um dinossauro, mas gostaria de falar dele o Hemiauchenia
paradoxa, descoberto em 1880 por Gervais & Ameghino, no estado do Rio
Grande do Sul, na Formação Touro Passo. Pertencente à ordem Artiodactila, família
Camelidae. O gênero Hemiauchenia teria migrado pelo istmo do Panamá,
juntamente com outro gênero Paleolama, durante a elevação que ocorreu no
Plioceno superior. Porém, desde sua descoberta tem-se questionado se a espécie Hemiauchenia
paradoxa seria mesmo uma espécie válida ou apenas mais um exemplo da
espécie Hemiauchenia major (Liais, 1872), outros autores ainda apontam a
espécie como na verdade Paleolama major (Figura 6).
Figura
6: Elementos mandibulares de Hemiauchenia
paradoxa (Fonte: Scherer et al.,
2007).
Em
um trabalho publicado na Revista Brasileira de Paleontologia do mesmo ano (Scherer
et al., 2007) um grupo de
pesquisadores da FZB/RS da PUCMG parece ter chegado perto de resolver o
problema ao comparar o material dental e cranial de fósseis de camelideos
encontrados no Rio Grande do Sul e Argentina. Apesar dos espécimes do
pós-crânio do Hemiauchenia paradoxa serem muito poucos, e portanto, não
foi possível a eles realizarem um teste de hipóteses, a comparação do dentes
apresentou caracteres que suportam as diferenças de espécies (Figura 7). Um
dente pode parecer pouco, mas na paleontologia de mamíferos, espécies inteiras
são descritas com base em diferenças dentárias devido ao acumulo de
modificações, dentes de mamalianos tendem a ser incrivelmente derivados e
excelentes diagnósticos. Considerando que camelideos são ótimos indicadores
paleoambientais, uma vez que habitam climas frios e secos (Tonni, 1985; Alberdi
et al., 1989), o estudo desses animais permitiu reconstruir o clima do
Pleistoceno. Um resultado tão interessante quanto o conseguido com o Futalognkosaurus
dukei.
Figura 7: Elementos de morfologia dentária de
Camelideos. Essa quantidade de caracteres morfológicos é o que permite utilizar
os dentes de mamíferos para traçar um diagnósticos de espécie (Fonte: Scherer et
al., 2007).
*Estou
devendo um texto sobre esses fantásticos animais que tem atraído a atenção de
milhares de pessoas, mas considero difícil escrever algo bom sobre o que
trabalho, justamente porque o perfeccionismo me incapacita.
Referências
Bibliográficas
ALBERDI,
M.T.; MENEGAZ, A.N.; PRADO, J.L.; 1989. La fauna local Quequén Salado Indico
Rico (Pleistoceno Tardio) de la Província de Buenos Aires, Argentina. Aspectos
paleoambientais y bioestratigráficos. Ameghiniana, 25(3): 225-23.
BENTON,
M. J. 2005. Vertebrate Palaeontology. 3º ed. Blackwell Publishing. 455 p.
BERTINI, R. J. Paleobiologia do Grupo Bauru,
Cretáceo Superior continental da Bacia do Paraná, com ênfase em sua fauna de
amniotas. 1993. 493 f. Tese (Doutorado) – Instituto de Geociências,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
________., Répteis, Cap. 30. In:
CARVALHO, I. S. (Ed.) 2000. Paleontologia. Editora Interciência. 628 p, 2000.
CALVO,
J.O.; PORFIRI, J.D.; GONZÁLEZ-RIGA, B.J.; KELLNER, A.W.A. 2007. A new Cretaceous terrestrial ecosystem from Gondwana
with the description of a new sauropod dinosaur. Anais da
Academia Brasileira de Ciências, 79(3):529-541.
KELLNER,
A. W. A.; AZEVEDO, S. A. K. 1999. A new sauropod
dinosaur (Titanosauria) from the Late Cretaceous of Brazil. In: GONDWANA
DINOSAUR SIMPOSIUM, 2., 1999, Tokyo. Proccedings...Tokyo:
National Science Museum Monographs, 1999. p. 111-142.
TONNI,
E.P. 1985. Mamíferos del Holoceno del Partido de Lobería, Província de Buenos
Aires. Aspectos paleoambientais y bioestratigráficos del Holoceno del sector
oriental de Tandilia y area
interserrana. Ameghiniana, 22(3-4): 283-288.
SANTUCCI, R. M.; BERTINI, R. J.; 2006. A new titanosaur from
western São Paulo state, upper cretaceous Bauru Group, south –east Brazil. Paleontology, v. 49, n. 1, p.
59-66.
SCHERER,
C.S.; FERIGOLO, J.; RIBEIRO, A.M. 2007. Contribution to the knowledge of Hemiauchenia
paradoxa (Artiodactila, Camelidae) from the Pleistocene of Southern Brazil.
Revista Brasileira de Paleontologia, 10(1):35-52.
Nenhum comentário:
Postar um comentário