Quente ou Frio?
Assistir a
filmes de ficção científica antigos nos dá uma boa noção do pensamento científico
da época. Quando eu desfrutava de uma assinatura de TV a cabo pude assistir a
um clássico do gênero, muito antigo. O filme contava a descoberta de um vale
onde animais pré-históricos ainda habitavam e entre a ação do filme víamos
pesados e gordos sauropodas se arrastando lenta e vagarosamente, com o ventre
encostado no solo ou mergulhados em lagos só com pescoço para fora. Todos
incrivelmente reptilianos, do Tiranosaurus
rex (que lembrava um iguana bípede) até o Triceratops (claramente um lagarto atual no qual os produtores
colaram um alguns chifres).
Essa visão de
dinossauros lentos e pesados mostra a interpretação científica que vigorava até
a algumas décadas: a de que dinossauros, assim como os outros “répteis”, eram
ectotérmicos. Ou em uma linguagem bem pouco significativa tinham “sangue-frio”.
Livros de
Fisiologia Animal trazem outra classificação para os diversos tipos de
metabolismo. Schmidt-Nielsen em seu livro Fisiologia Animal (incrivelmente
usado em aulas de biologia, se você não conhece fica aqui uma ótima
recomendação para estudo) mostra um pouco da confusão e diversidade de termos
empregados no estudo da temperatura dos organismos.
Atualmente
fala-se em ectotermia e endotermia, sendo termoreguladoras, o organismo que regula
sua temperatura corporal por si só, podendo se esquentar ou esfriar através do
seu metabolismo; ou termoconformadoras, nesse caso o organismo eleva ou abaixa
sua temperatura de acordo com o ambiente ao se redor, sendo seu metabolismo
lento demais para dissipar ou produzir calor.
Os organismos
endotérmicos são todos termoreguladores, por outro lado são relatados casos de
ectotermia termoconformadora e termoreguladora, nesse caso alguns répteis podem
elevar sua temperatura corporal por estimulo muscular, especialmente algumas
cobras que necessitam chocar seus ovos.
Bakker (1986)
em seu livro The Dinosaur Heresis foi um dos primeiros a mostrar os fatos que
derrubariam os argumentos de que dinossauros eram répteis ectotérmicos
termoconformadores. Obviamente, um animal tão grande quanto um Seismosaurus ou mesmo um caçador como a
grande maioria dos Dromeosaurideos não conseguiria se manter ativo dependendo
unicamente do calor do ambiente. Usando de alguns cálculos ele mostrou que
saurópodos precisariam de dias com mais de 24 horas para aquecer todo seu corpo
ao sol e no caso de resfriarem a noite não conseguiriam se defender de
predadores noturnos.
Evidências
demonstradas por pesquisadores (Russel, 1965; Ostrom, 1974 e Desmond, 1975)
apontam outras características que demonstravam endotermia nos dinossauros.
Entre elas a posição das pernas e a possibilidade de alcançar altas velocidades,
a posição das narinas mais atrás em relação aos répteis, presença de sacos aéreos
em Sauropodos e Theropodos, como no recém-descoberto Aerosteon riocolodarensis (Sereno et al, 2008) e também características osteológicas, como posição
dos vasos sanguíneos nos ossos (sistema de Haversian, ou ósteon, em cujo
interior ocorrem veias ou uma artéria e se conectam aos outros vasos
sanguíneos), semelhante ao dos mamíferos e linhas de crescimento pouco
evidentes, o que aponta para um crescimento continuo e não demarcado, como
ocorre nos répteis.
Levando em
consideração a eficiência do sistema respiratório das aves e a relação
filogenética entre os grupos (dinossauros e aves) pode ser tentador afirmar que
todos os dinossauros eram endotérmicos e possuíam pulmões avianos. Este tipo de
pulmão é extremamente eficiente, requerendo menos energia por unidade de oxigênio
consumida. O problema de superaquecimento pode ter sido resolvido exalando-se ar
quente saturado com vapor de água, aquecido com o calor de corpo, pulmões e
sacos aéreos, conjugados com arrefecimento evaporacional ao longo do pescoço,
durante a inspiração (Perry et al.,
2008).
O problema parece resolvido certo?
Mas objeções a endotermia dinossauriana
surgiram logo. Apesar dos répteis atuais apresentarem um sistema de Harvesyan ausente
ou pouco desenvolvido, generalizar essa característica para uma condição
endotérmica pode ser um equívoco. Alguns mamíferos e mesmo algumas aves mostram
um sistema de Harvesyan muito pouco desenvolvido ou mesmo ausente (Bouvier,
1977), além de ocorrer em outros répteis e anfíbios. Além disso, o forte desenvolvimento
do sistema de Harvesian, associado ao rápido crescimento, pode também se resultado de um aumento do stress ósseo.
Portanto, generalizar a característica não é uma boa resposta.
E quanto ao pulmão aviano? Ele parece ser
uma boa solução, e ainda demonstra uma endotermia. Mas não ocorrem fósseis com
presença de sacos aéreos em todos os dinossauros e eles podem estar ligados à redução
de peso ao invés do metabolismo. É verdade que o Aerosteon riocoloradensis apresenta provas fortes de que a linhagem
dos Theropodas apresentaria os pulmões avianos.
Seebacher
(2003), no entanto, propõe a não generalização da característica para todos os
dinossauros. Seu trabalho mostra que a temperatura média diminuía com a
diminuição da massa e aumento da latitude. Portanto dinossauros de tamanho
médio (4 a 5 toneladas) conseguiriam manter uma temperatura metabólica igual ou
maior que 30º com pouquíssima variação ao longo do dia. Já os pequenos, com
menos de 100 Kg, vivendo em latitudes acima de 45º, não poderiam apresentar
altas temperaturas sem uma taxa de metabolismo alta, sendo portanto endotérmicos
com algum tipo isolamento térmico (penas, talvez?). Por fim, os Sauropodos
poderiam ser ectotérmicos estáveis, vivendo em paleolatitudes próximas a região
do equador.
Eles
conseguiriam manter sua temperatura através da homeotermia inercial. O ganho de
peso desses animais ocorria de modo mais rápido que a perda de calor, por
habitarem em paleoclimas quentes e estáveis, assim ao longo da vida eles ganhavam
calor do ambiente e metabólico, mas demorariam para perde-lo, devido ao aumento
da massa corporal, esse calor ganho e nunca perdido se acumularia mantendo as
taxas metabólicas estáveis (Powell, 2003).
A resposta
provavelmente reside no meio termo de Seebacher, ainda mais se considerarmos
que animais pequenos possuem uma área corporal proporcionalmente maior que
animais grandes e, portanto, perdem mais calor exigindo um elevado metabolismo
(Schmidt-Nielsen, 2002). A diversidade gerada pela evolução provavelmente não
encontrou um único caminho para resolver seus problemas. É preciso analisar
cada caso em particular e então definirmos quais eram os dinossauros
endotérmicos e ectotérmicos.
Referências Bibliográficas
BAKKER, R. 1986. The
dinosaur heresis. Middlesex: Penguin Books. 481 p.
DESMOND, A. J. 1975.
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OSTROM, J. H. 1974.
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PERRY, S. F.; BREUER,
T.; PAJOR, N.; SANDER, M.; 2008. The german sauropod scene and reconstruction
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Paleontologia, ano 23, edição especial, 160p.
POWELL, J. E. 2003. Revision
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RUSSEL, L. S. 1965. Body
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SEEBACHER, F. 2003.
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SERENO, P. C.;
MARTINEZ, R. N.; WILSON, J. A.; VARRICCHIO, D. J.; ALCOBER, O. A.; LARSSON, H.
C. 2008. Evidence for avian intrathoracic air sacs in a new predator dinosaur
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SCHMIDT-NIELSEN,
K. 2002. Fisiologia animal. 5º edição. São Paulo. Santos Livraria Editora, 611
p.
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