Verificando minhas anotações
encontrei uma nota de rodapé em uma das minhas cadernetas da época em que
estava lendo O Desenvolvimento do Pensamento Biológico de Ernst Mayer:
"Lammarck acreditava em espécies fixas que adquiriam caracteres para se
adequarem as mudanças ambientais." Olhando agora em retrospecto (para um
pouco de orgulho pessoal meu) demonstra que naquele momento eu entendi parte da
teoria de Lammarck. E isso é um ponto importante. Alunos de Biologia são (desde
o ensino médio) treinados a pensar em Lammarck como alguém que tentou e falhou.
Ele correu bastante, mas não chegou no patamar de Darwin e sua sagacidade,
capaz de demonstrar tão claramente a evolução pela seleção natural. Usamos os
exemplos das girafas que esticam seus pescoços e passam isso a seus
descendentes, e depois aplicamos um reducto ad absurdum, e dizemos:
"Consegue imaginar? Os filhos de alguém que frequenta academias deveriam
nascer bombados!" Essa brincadeira, embora possa ajudar a quebrar a
monotonia de uma aula de cursinho se impregna e é repetida por nós ao longo de
nossa vida acadêmica, assim como toda ciência de cartolina. E isso nos blinda
para entender o conjunto de ideias de Lammarck.
Primeiro reduzimos Lammarck
apenas a herança dos caracteres adquiridos. O que é um erro. Os caracteres
adquiridos era apenas uma parte (e não tão central assim) da explicação de
Lammarck, outras duas partes eram mais importantes, uma delas, como a nota de
rodapé minha ali em cima esclarece, é a mudança dirigida. No lamarquismo
organismos percebem as mudanças ambientais e então mudam para se adequarem a
elas. Isso significa que elefantes de uma região perceberam que o clima estava
ficando mais frio e desenvolveram casacos de pele originando os mamutes. Não
perderam a essência do que era ser um elefante, mas agora eram peludos. Isso é
um ponto diferencial importante em relação ao darwinismo, neste as populações
de elefantes apresentam variações na quantidade, cor e tamanho da pelagem. A
mudança climática seleciona aqueles com pelos maiores e em maior quantidade
porque isso é melhor para um clima frio. No lamarquismo pelos aparecem quando
se precisa deles, no darwinismo pelos já existem e são selecionados.
O segundo ponto é o mais
difícil para aceitarmos. Principalmente porque é um conceito pouco trabalhado
entre aqueles que deveriam saber com mais profundidade. Ele diz respeito a uma
"escalada do progresso" dentro da evolução. Tratamos o que existe
atualmente como muito melhor do que aquilo que existia antes. Afinal são os
sobreviventes da evolução. Estudamos que o Devoniano é a era dos peixes, que o
Carbonífero é a era dos anfíbios e que o Mesozoico foi a era dos répteis e que
esses pobres bastardos foram substituídos pelos mamíferos (com nossa espécie no
topo claro). Propositadamente (e juramos que é por uma causa didática) deixamos
de lado que peixes, anfíbios e répteis continuam existindo e vão muito bem
obrigado.A escalada do progresso é algo muito impregnado e por isso é difícil
perceber essa diferença entre lamarquismo e darwinismo. No primeiro o progresso
ocorre, organismo evoluem de modo dirigido para se tornarem melhores. No
segundo, a evolução é casual e oportunistas, contingências que selecionam
variações que já existem. Os organismos atuais não são melhores que os antigos,
jogue nossos mamíferos (nós inclusos) no Jurássico e veja eles se contorcerem e
minguarem.
Obviamente que os neo-larmmarckistas deixaram de lado esses dois pontos pois deveriam debater com darwinistas que sabiam essas diferenças. Focaram-se então nos caracteres adquiridos. No fim, de Lammarck, isso é que foi parar nos textos didáticos.
E por conta disso, recentemente, com os estudos da epigenética ganhando força alguns tem clamado que Lammarck, afinal, estava certo. A metilização do DNA causa mudanças nos pais que são passadas a prole. Um caráter adquirido, por assim dizer. Isso não é lamarquismo per se, principalmente por desconsiderar os dois pontos centrais da teoria de Lammarck a mudança dirigida e o progresso visado. A metilização do DNA não ocorre de modo dirigido (salvo quando feita em laboratório) e não visa progresso algum, a menos que estejamos preparados para aceitar que a metilização de mães subnutridas durante a segunda guerra gerando crianças subnutridas por conta disso tenha alguma vantagem real e prontamente perceptível. O que claro, eu duvido. Portanto, a epigenética está longe de provar um lamarquismo na evolução dos organismo.
Obviamente que os neo-larmmarckistas deixaram de lado esses dois pontos pois deveriam debater com darwinistas que sabiam essas diferenças. Focaram-se então nos caracteres adquiridos. No fim, de Lammarck, isso é que foi parar nos textos didáticos.
E por conta disso, recentemente, com os estudos da epigenética ganhando força alguns tem clamado que Lammarck, afinal, estava certo. A metilização do DNA causa mudanças nos pais que são passadas a prole. Um caráter adquirido, por assim dizer. Isso não é lamarquismo per se, principalmente por desconsiderar os dois pontos centrais da teoria de Lammarck a mudança dirigida e o progresso visado. A metilização do DNA não ocorre de modo dirigido (salvo quando feita em laboratório) e não visa progresso algum, a menos que estejamos preparados para aceitar que a metilização de mães subnutridas durante a segunda guerra gerando crianças subnutridas por conta disso tenha alguma vantagem real e prontamente perceptível. O que claro, eu duvido. Portanto, a epigenética está longe de provar um lamarquismo na evolução dos organismo.
Existe, no entanto, outro
ponto onde podemos olhar para encontrar mudanças dirigidas, visando um
progresso e que pode ser passado diretamente de geração a geração. E isso é a
cultura. Um mote mais do que lammarckiano é aquele proferido por Newton
"Se vi mais longe foi por estar de pé sobre ombros de gigantes."
(hoje estampando a página inicial dessa fantástica ferramenta de transmissão de
caracteres de conhecimento, o google). Newton não precisou deduzir todo o
conhecimento que levaria a sua teoria da gravitação universal do zero. Esse
conhecimento, adquirido por gerações anteriores, foi passado a ele, que o
melhorou e passou a geração seguinte. Dentro do campo da cultura e do
conhecimento uma evolução darwiniana operaria de modo lento demais. O progresso
rápido das nossas atividades humanas (em 60 anos fomos de inventar o avião para
chegar na Lua) só é possível porque nosso conhecimento é adquirido visando um
progresso e é passado diretamente a geração seguinte. Não precisamos refazer as
experiências de Mendel com ervilhas para chegarmos a suas leis, não precisamos
refazer toda a viagem de Darwin com o Beagle, assim como Agassiz fez, apenas
para, em semelhança a ele, nos silenciarmos diante do fato de que a evolução
ocorre.
Debates do antropoceno a
parte, geologicamente, nossa espécie ainda está acontecendo. Biologicamente
escapamos de toda seleção natural que poderia nos acometer. Culturalmente, no
entanto, nunca estivemos melhores. E se tendemos a enxergar as coisas como uma
competição, e sempre conceder a vitória a Darwin, é preciso lembrar que esse
"lamarquismo cultural" permitiu que em pouquissimo tempo
encontrassemos a cura para diversas doenças e problemas que ceifariam milhões
de nossa espécie. Ou seja, estamos eliminando fatores da seleção natural que de
outra forma agiriam sobre indivíduos de nossas populações. Esse round, portanto,
deve ser de Lammarck.
Bird, Adrian. "Perceptions of epigenetics." Nature 447.7143 (2007): 396-398.
Francis, Richard C. Epigenética: Como a ciência está revolucionando o que sabemos sobre hereditariedade. Ed. Zahar. 2015.
Lamarck, J-B-PA. Philosophie zoologique. 1809.
Mayr, Ernst. O desenvolvimento do pensamento biológico: diversidade, evolução e herança. Ed. UnB, 1998.
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